sábado, 20 de fevereiro de 2010

Veraneio

Olho o tempo, vejo nele todas as memórias espalhadas
Parecem recortes de jornal, parecem folhas de árvores de verão
Olho pra dentro do meu peito, vejo as falas caladas
Vejo e ouço em silêncio o que não disse
Mesmo assim, o que vejo e ouço parece real, parece acontecido
¿Quem no mundo passará sem dizer palavras¿
¿Quem no planeta falará com toda a razão que existe¿
Posto que vero, posto que insano, mas verdadeiro
Um soluço na noite proclama o abrir de janelas em ruídos baixos
Um passo no degrau sonoro da velha madeira que meu pai construiu
Sinto sua alma bela e serena penetrando meu sonho sofrido
Acendendo uma luz de vela, velando meu sono
¿Quem poderá negar sua presença em meus braços¿
¿Quem poderá certificar sua ausência em minha alma¿
A calma que me traz nosso encontro é o que me faz inteiro
Vendo seus passos seguidos de pressa e cadência musical
Será música, será tema, de minha mera e pequena saudade
Tenho agora o que não sonhei, tenho a real franqueza do exato
Posto que lindo, posto que cálido e sutil veraneio em outono
Válidas promessas alimentadas de sono, doses homeopáticas de sobriedade
Passos curtos em direção do que ainda não foi completo
Do que ainda não foi descoberto
Real sorriso que pinga mel de lábios ferido
Fiel olhar que pinga lágrimas de eterno caminhar
¿Será você, criatura, meu mal em vida inteira¿
¿Será você, ternura, meu sal de cura¿
Não preciso saber
Me contento com o simplesmente
Me contento com o amanhã
Me contento com a dúvida
E duvido, sobretudo, de tudo que possa não vir
Se a vida é luta, serei guerreiro
Quando houver flores, jardineiro.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Ontem

E agora o que me resta
É restar-me a mim mesmo
No calor que outrora era
Na era de um começo novo

Tudo se basta eterno enquanto dure
Tudo se faz feliz nas alegrias
Por isso, tudo é preciso
É preciso fazer dos espinhos flores

O erro? Não nego, espero que a natureza se cumpra
Sentimental e cheia de razão de ser, abençoada
Comprando nas lojas os retratos das almas perdidas
Encontrando na falta do relógio a fuga perfeita

Não, não há o que queixar, não há olhos para lágrimas
Há olhos para a relva, para o pôr do sol, para o rio que passa
Tudo se enerva lentamente como se acalma
As feras e os anjos andam nesse mundo de mãos dadas

Atadas mãos que escrevem a última carta de amor
Seladas pelo destino cruel ou pela liberdade de seguir
Trancafiados estamos, dentro de um nó em nós mesmos
Seremos nossos próprios momentos de dor e alegria

Mesmo que nos tirem o dia, mesmo que nos tomem a noite
Mesmo que nos venha a ferida e o açoite, mesmo que não venha o afago
Pagando promessas não feitas e fazendo por outro caminho o fardo
Farto de andar na direção errada onde tu encontrarás o certo

No deserto de todas as vontades, no mar de todos os desejos
Nos dias de briga, nos dias de amor, são eles os mesmos?
Mas agora resta solidão em silêncio mais que profundo
Um mundo inabitado onde flores de cor púrpura se espalham

Tu eras o que eu tinha de completo, tu és a imperfeição que amei
Eu seria o que estava de errado, eu sou o que não sei
Eles dirão o que a memória esqueceu nas folhas brancas do tempo
Nós faremos que as folhas sejam preenchidas de cores e odores

Depois do nada a vida, aquela que queremos sem saber os porques da busca
Agora tens de mim o que há de mais correto, a falta eterna
Agora tenho de ti o abandono na hora certa
Tenhamos de nós o que há de ser verdadeiro em outras linhas, braços e abraços

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Das águas

Todos já tiraram suas roupas do armário
As palavras do dicionário
Coração sangrando e pálpebras semifechadas
A madrugada se anuncia no silêncio da rua

As almas todas nuas num alvorecer de mentiras
Num delírio estranho e comum de vaidades terrenas
A mão que escreve o poema pede licença
Rouba a presença, mata a ausência terrível de paixão

Ininterruptas vontades que explodem sem permissão
Indeléveis coragens se espalham pelos cantos do quarto
No imenso retrato de coleções de sorrisos abandonadas
A noite açoita o dia e traz impávida a vida das plantas

Planto o que não há de ficar calado apenas
Pranto que não vem de forma inusitada
Dores de amores perdidos e confusões de palavras achadas
É assim que o plebeu encontra a amada vestida de iluminada lua

O poema não conta os pontos onde a viola para de pontear
O som do embate, o grito do indiscutível, o medo do corajoso
Os nervos do corpo à flor da pele, a pele necrosada da falta do toque
Num imenso mundo, profundo oceanos de vozes inertes
Inerente a vida se apresenta a arte de caminhar

O sol e a lua travam uma peleja sem pares
Não paridades de um amor que nunca se encontra, não se encontrará
Mas se encontrara talvez num passado onde não havia vida humana
Sem perdão nem culpa, sem amor nem lágrimas

A luta interna declara guerra às paixões de latão
E se enche de ar ao esperar o amor de ouro
Onde a procura voa tranqüila como fênix que nasce
Meu amigo, nem Freud ousaria pensar naqueles dias

Perco o caminho de casa, procuro o abismo eterno
Amarrado em letras com pedras sinalizando o findo orgulho
Num mergulho sereno onde nada a solidão escolhida
Onde se debate incansável a solidão acompanhada

Acho o caminho da vida em braços outros
Decido descer entre o lodo das pedras das falésias
Me escorrego e a ferida vem à tona, selvagem, bela e indolor
Traio de vez a dor que me vem embalada na última palavra

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

VIVER

A vida é um campo aberto. Uma vasta praia onde os olhos se deixam marear pelas ondas e pelo sal. A vida passa lentamente pra alguns e rápido demais pra outros, principalmente se esses outros são representantes do nosso meio de amor na terra.
O mundo é um passe de mágica, onde as pessoas nascem, crescem e morrem, aprendem, esquecem e tornam a aprender. É onde vemos amizades nascerem e amigos partirem no barco da eternidade, deixando saudade e ternura, lembranças e passados que não passam. Nesse planeta somos a história viva de nosso povo, de nossa espécie, raça, crença, etnia, amores, desamores, amizades e triunfos. Também é palco inevitavelmente pleno de nossos fracassos, erros, temores, acertos, tropeços, vitória, memórias e eternificações. Viver é motivo por si, não precisamos de quimeras fluorescentes pra dar sentido à vida. Ela está nos nossos pais, filhos, amantes, amigos, inimigos. Amar é o próprio viver. Amamos as flores, o brilho do mar, as nuvens, o campo, o deserto. Há ainda aqueles que amam a guerra, a penúria, o lamento e as carnificinas, desses últimos só lembraremos na História, dos primeiros a Memória trata de eternizar. Nossas palavras e corpos são nossos campos de ação, limitados pela linguagem ou pela possibilidade, acabam por nos dar as maiores sensações que podemos ter, lendo um livro, escrevendo um poema, compondo uma canção, correndo na tarde fresca, sentindo o amor do outro e fazendo o outro sentir também. Passemos então a olhar nossos pés, por onde andaram, porque andaram, porque não pisarão e não pisariam. Não ousamos às vezes e perdemos por isso, ousamos demais e sofremos. É necessário, prioritariamente necessário, saber escolher entre a dor da frustração e a dor da dúvida de nunca ter tentado, entre o sol poente visto da colina ou do engarrafamento, da água que sacia ou daquela que afoga, do amor que alimenta ou do sentimento que transforma nossos possíveis gostos em fel profundo. Só isso poderia saciar a alma? É uma pergunta que passaremos toda a vida tentando responder.